Por Bruna Lucianer
Foto: Bruno Henrique / Correio do Estado |
Eduardo Azzi, gerente da unidade campo-grandense do frigorífico Friboi |
A Política Nacional de Resíduos Sólidos já deve imprimir mudanças de hábitos e conceitos dentro da sua casa, imagine o que ela fará com o processo produtivo de empresas e indústrias. Este, aliás, é um dos principais pontos da nova lei: produzir de maneira eficiente e pensar na logística reversa dos resíduos inutilizáveis.
A adaptação das grandes indústrias é, hoje, o menor dos problemas. A consciência a respeito dos benefícios que a preservação dos recursos naturais traz para o meio ambiente e, claro, para a imagem da empresa, já faz parte do processo produtivo há um certo tempo. O difícil, mesmo, é “ser ambientalmente correto” sem que o Estado proporcione o mínimo de condições para isso.
Pense no caso de Campo Grande: uma indústria metalúrgica separa e coleta quase 30 toneladas de materiais recicláveis por mês. E aí? Se ela não pagar para uma empresa especializada coletar esses materiais e dar a destinação correta, o caminhão do lixo simplesmente descarta no lixão, velho conhecido, e a possibilidade de reciclagem – e preservação de recursos, e geração de renda – vai por água abaixo.
Esse é o caso da Soprano, indústria de montagem de fechaduras e ferragens para móveis instalada em Campo Grande há seis anos e localizada no anel viário da BR-262, saída para Aquidauana. Da produção e comercialização de 28 mil fechaduras por dia, sobram aproximadamente seis toneladas de metal, 14 toneladas de papelão e oito toneladas de plástico todos os meses. Um funcionário portador de necessidades especiais, deficiente auditivo, trabalha exclusivamente na separação e prensagem desses resíduos, que são vendidos para empresas recicladoras.
A ação não dá lucro, nem prejuízo, mas já imprimiu um novo ritmo de trabalho à empresa e seus 360 funcionários. “Seria muito mais simples deixar tudo ali na frente, misturado. O lixeiro recolheria do mesmo jeito. Mas essa não é a política da empresa e a gente sabe da responsabilidade que nos compete”, resume Maísa Passos de Azevedo Jorge, técnica de segurança de trabalho da Soprano. A implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos não preocupa a direção da empresa. “As adaptações necessárias são mínimas. Já fazemos o que a Lei preconiza há muito tempo”, declara Maísa.
Ramo da alimentação
E os bons exemplos não param por aí. Some à preservação do meio ambiente a necessidade de produzir alimentos com eficiência e qualidade e chegue ao frigorífico Friboi, do Grupo JBS. Localizado no Bairro Nova Campo Grande, a indústria precisou investir tempo e dinheiro para otimizar o sistema produtivo e chegar a um método de trabalho que impactasse minimamente a natureza e incomodasse o menos possível a vizinhança.
Chegaram a um estágio de gerenciamento de produção que começa na captação e tratamento de toda a água utilizada na indústria em uma Estação de Tratamento própria; passa pela “lavagem de gases”, que reduz as substâncias odoríferas e a geração de gases de efeito estufa; e termina nas três lagoas de decantação que tratam os efluentes e os devolvem ao local de onde saíram, o córrego Imbirussu.
Todos os novos funcionários passam por um treinamento de integração ao serem admitidos na empresa, o programa “5 S”, de Senso de utilização, de ordenação, de limpeza, de saúde e de autodisciplina. Os resíduos sólidos também são coletados, prensados e enviados para a reciclagem. “Também estamos trabalhando em projetos de reuso de água”, adianta a bióloga Fabiana Néri, responsável pela análise da água que entra e sai dos processos industriais.
Para Fabiana, o Grupo JBS está pronto para a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e deixa clara a preocupação socioambiental em todas as atividades que realiza. Mais uma prova de que quem precisa se adaptar é justamente a parte responsável pela aplicação da lei: o Estado.
Contra o aquecimento global
Entre os compromissos do Grupo JBS com a sustentabilidade, está a redução de emissões de gases do efeito estufa. Repare na fumaça saindo do maquinário na foto ao lado: de nada lembra aquela fumaça escura que caracterizou o céu da Revolução Industrial no século 18.
“Funcionamos no meio de um bairro, com vizinhos por todos os lados. Todas as nossas atividades precisam levar esse ponto em consideração. O lavador de gases (foto), além de reduzir a geração de gases de efeito estufa, reduz consideravelmente o mau cheiro resultante do processo produtivo”, detalha Eduardo Azzi, gerente comercial da unidade campo-grandense do Friboi.
Uma escola localizada a poucos metros do frigorífico, que já sofreu com odores e descartes inadequados da indústria no passado, comemora a parceria com o Grupo e, hoje, elogia cada uma das ações socioambientais praticadas e defendidas pelo JBS.
‘Falta atitude de todos’
Um dos principais pontos da Política Nacional e, hoje, uma das mais difíceis aplicações na realidade campo-grandense, é a disposição ambientalmente adequada dos resíduos. O texto explica esse termo como “distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos”.
Pois é, ainda não temos aterro. O espaço está lá: cavado e impermeabilizado. Mas isso não basta: é preciso providenciar a Usina de Processamento de Lixo (UPL), as instalações para captar chorume e queimar os gases, gerando energia, sem falar em toda uma reforma social na área do entorno do atual lixão.
Aí se esbarra novamente na necessidade urgente de adaptação por parte do poder público, um dos principais responsáveis por todo esse processo. “Na verdade falta atitude e responsabilidade de todo mundo. Há empresas que já estão prontas, outras não. Também falta incentivo do poder público para a instalação de empresas que trabalhem com reciclagem, por exemplo”, declara Alexandre Raslan, promotor de justiça do meio ambiente.
Para ele, os órgãos ambientais deveriam emitir licenças ambientais com ênfase na questão do gerenciamento dos resíduos sólidos, assunto hoje secundário nos documentos.